segunda-feira, 29 de setembro de 2014

2 colheres de felicidade - VI

O dia seguinte seguiu agitado, como sempre eram as coisas na doceria. Ana tentou convencer Antônio a lhe contar o que ele e a filha estavam tramando, mas ele apenas respondeu que ela não precisava se preocupar, seria uma boa surpresa quando estivesse pronta. Ana indagou se isso tinha alguma coisa a ver com o bolo do Miguel e Antônio disse que não.

- Por falar nisso, dona Ana, de que sabor a senhora vai querer o bolo? E para que horas?
- Acho que a Bia comentou alguma coisa sobre todo mundo gostar de chocolate. Será que a gente consegue terminar o bolo até umas 9:30? Aí eu posso pedir para o senhor Wilson, o tio da perua, vir pegá-lo aqui e levá-lo para a escola. O intervalo das crianças é às 10:00.
- É, vai ser um pouco corrido, mas vou deixar o que eu puder já adiantado hoje, aí amanhã a gente termina a decoração. São quantas crianças na turma da Bia?
- Acho que cerca de 20, mais ou menos. Vamos precisar mandar também umas 3 garrafas de refrigerante, copinhos e guardanapos.
- Então fazemos tudo no mesmo esquema que fizemos no aniversário da Bia? Só que com um dinossauro ao invés de uma princesa.
- Sim, seria ótimo. Senhor Antônio, me desculpe por deixar tanta coisa assim em suas mãos, eu não estou dando conta de fazer tudo sozinha sem o Roberto...
- Dona Ana, todo mundo aqui entende muito bem pelo que a senhora está passando. A senhora e o senhor Roberto sempre foram ótimos patrões, ninguém aqui tem do que reclamar. A senhora sempre ajuda a gente. Quando a gente pode retribuir, nós ficamos felizes. E por falar nisso, fiz uns testes de biscoito aqui parecidos com os que a Bia pediu, será que a senhora pode levar uns para ela experimentar?
- Bom, se esse segredinho de vocês não tem a ver com o bolo... deve ter alguma coisa a ver com os biscoitos, certo?
- Dona Ana, é uma coisa boa, eu garanto! A senhora tem uma filha muito esperta e eu sei que a senhora vai gostar muito da surpresa. Eu, particularmente, achei a ideia genial!
- Ai, ai, ai... pelo visto nem adianta eu continuar perguntando mesmo. Vou só torcer para que vocês dois saibam o que estão fazendo.
- Três, dona Ana! Não se esqueça que a menina Gabriela também está ajudando na surpresa! E, talvez quatro, em breve, vamos ver...
- Quatro? Quem é o quarto integrante dessa “gangue”?
- Isso também é parte da surpresa, me desculpe! Hahaha!

O restante do dia correu sem incidentes na loja. Assim que chegou em casa, Bia veio correndo mostrar à mãe o cartão assinado por toda a turma.

- Olha, mamãe! Todo mundo assinou! A tia Kelly até pediu para as outras tias da escola assinarem também! Só não sei se o Miguel vai conseguir ler tudo, ele lê muito devagar! Acho que ele vai demorar uns três dias para ler todo o cartão!
- Bia, nem todo mundo é um geniozinho que nem você, que aprendeu a ler sozinha, né? Você precisa aprender a ter mais paciência com as outras crianças, querida!
- E o bolo, mamãe? Ficou bonito?
- Ainda não terminamos de decorar o bolo, Bia! Vamos fazer isso amanhã cedinho, assim que a doceria abrir. Depois já combinei com o senhor Wilson para ele pegar o bolo na doceria e levá-lo na escola na hora do recreio. Você mostrou meu bilhete para a tia Kelly? Para ela saber que horas o bolo vai chegar?
- Sim, mamãe, ela disse que tudo bem, a gente já combinou tudo quando o Miguel saiu para ir ao banheiro, todo mundo já sabe da festa surpresa, menos ele! Todo mundo acha que foi ideia da tia Kelly! Algumas meninas não gostaram disso, falaram que o Miguel é muito chato e não merece festa, mas aí a tia Kelly explicou que se a gente quiser que ele pare de brigar com todo mundo, a sala inteira tem que se esforçar para ser mais legal com ele também. Aí eu falei que pelo menos se não der certo, todo mundo vai comer um bolo delicioso! Hahaha!
- É isso aí, Bia! Se a gente não tentar mudar as coisas, a gente também não pode reclamar que tudo dá errado, né? Ah! O telefone está tocando! Vou lá atender! Bia, tem um recado do senhor Antônio para você na minha bolsa, você pega lá? Está no bolsinho pequeno, junto com um pacotinho de biscoitos que ele mandou também.
- Oba! Pode deixar que eu pego, mamãe!
- Alô?
- Ana, é a Cláudia. Eu encontrei alguns documentos do carro e do Roberto aqui, mas não sei se não esses que você quer. Você vai estar em casa no fim de semana? Nós podemos levar aí para você.
- Puxa, dona Cláudia, não precisa se preocupar, a senhora pode mandar por sedex se achar melhor.
- Bom, Ana, é que na verdade o Paulo tem um exame médico para fazer aí na sexta-feira, aí a gente ia aproveitar para visitar o túmulo do Roberto e ver nossa neta, se estiver tudo bem para você.
- Exame? Mas é alguma coisa grave? Vocês vão vir de outro estado até aqui por causa de um exame?
- Nós ainda não sabemos se é grave. Nosso médico aqui detectou um pequeno tumor e pediu um exame mais completo urgente, mas aqui no nosso estado só tem um hospital que faz esse exame e ele só tem vaga para daqui a 3 meses. Um amigo nosso conseguiu uma vaga aí na sua cidade, então temos que aproveitar, não é? Nosso médico acha que quanto mais cedo descobrirmos o problema, melhor. Porque dependendo do resultado, o tumor pode até acabar evoluindo para um câncer.
- Puxa, dona Cláudia, eu nem sei o que dizer... é claro que vocês podem vir aqui em casa, aliás, podem até ficar hospedados aqui com a gente! A Bia ia adorar, com certeza, ela adora ser paparicada pelos avós!
- Não se preocupe, Ana, o meu sobrinho Carlos vai conosco, ele já fez a reserva para a gente em uma pousada perto do hospital. O exame será na sexta, mas vamos ficar até sábado à noite, então se pudéssemos nos encontrar no sábado à tarde, isso seria ótimo.
- Bom, então por que vocês três não vêm almoçar aqui em casa sábado? Aí podemos ver os documentos e conversar o resto da tarde.
- Sim, acho que seria muito bom. Eu encontrei algumas coisas do Roberto aqui que eu gostaria que ficassem com a Bia, se você não se incomodar. Algumas fotos e coisas de quando o pai dela ela criança. Ela ainda é bem novinha, mas eu queria que ela tivesse alguma coisa para se lembrar dele.
- O Roberto era um super-pai, tenho certeza de que a Bia nunca vai se esquecer dele. Nos vemos sábado então, dona Cláudia?
- Está bem, Ana! Até sábado! Mande um beijo para a minha neta.
- Mamãe, pelo o que o senhor Antônio disse no bilhete, acho que você não vai precisar esperar muito para saber da surpresa, não! Ele falou que acha que semana que vem a gente já vai poder te contar tudo! E ele também escreveu que agora tem mais uma pessoa ajudando a gente e eu gostei da ideia dessa pessoa nova!
- Bia, sua avó lhe mandou um beijo, ela, o vovô e o Carlos, primo do seu pai, vão vir almoçar com a gente sábado!
- Que IN-CRÍ-VEL, mamãe! Eu adoro conversar com a vovó! Ela vai ficar aqui em casa?
- Não, eles vão ficar em um hotel, só vão passar a tarde aqui com a gente mesmo, é uma visitinha rápida.
- Ah, que pena. Mas você não vai me perguntar da surpresa, mamãe?
- Já entendi que não adianta. Fiz um monte de perguntas para o senhor Antônio hoje e ele não me disse absolutamente nada. O que me resta é ter paciência e esperar, né?
- Não fica triste, mamãe! Você vai gostar, eu sei!
- Não estou triste, Bia. É que a mamãe anda muito cansada ultimamente.
- Eu queria ser grande, aí eu ia poder te ajudar na doceria e você não ia ficar tão cansada, né, mamãe?
- Bia, você me ajuda muito sendo uma boa aluna na escola e deixando suas coisas arrumadas aqui em casa, não precisa fazer mais do que isso, está bem? Ué, é a campainha! Quem será a essa hora?
- Boa noite, Ana! Desculpe te incomodar a essa hora, mas eu fiz torta de milho, você quer um pedaço?
- Dona Rute! Entra, por favor! Bia, a dona Rute trouxe torta para a gente!
- Obaaaa! Dona Rute, a senhora adivinhou, a gente ainda nem jantou! Vou colocar os pratos na mesa para gente comer torta, tá, mamãe?
- Obrigada, Bia. Pega o chá na geladeira também, querida. E os copos!
- Ana, desculpe eu vir assim sem avisar, mas eu estou precisando desabafar, senão eu acho que vou explodir!
- A senhora brigou com seu filho outra vez, adivinhei?
- Como foi que eu fui ter um filho tão banana, heim? Aquele traste da minha nora faz gato e sapato dele e ele ainda fica lambendo os pés dela, vê se pode! A gente cria os filhos com tanto amor e carinho, aí eles se apaixonam e se esquecem de tudo o que a gente fez por eles, ingratos! Ai, desculpa, eu não deveria estar falando essas coisas na frente da Bia!
- Tá bom, já entendi, conversa de adulto. Mamãe, eu vou tomar banho, aí vocês duas podem conversar sozinhas enquanto isso. Mas conversem rápido porque eu sou bem ligeira no banho, tá?
- Obrigada, Bia! A gente come torta juntas quando você voltar.
- Essa sua filha é um amor! Quem dera eu ter uma filha assim tão compreensiva.
- O que foi que aconteceu dessa vez, dona Rute?
- Bom, você sabe que eu morava com o meu filho até ele arranjar aquela namoradinha piriguete dele, né? E tanto ela fez que eu não aguentei mais e vim morar sozinha, só para ficar longe dela. Mas eu disse para ele tomar cuidado, que ela só queria saber era do dinheiro dele, mas ele me ouviu? Claro que não! Deu até carro para ela! Agora ela está de graça com outro cara e quer que meu filho pague pensão! Vê se pode! Eles nem tem filhos, não são casados no papel, de onde que ela tirou essa ideia de pensão? E o idiota lá com pena dela! Ele acha que ela está “confusa”, mas que vai voltar para ele a qualquer minuto! Ah, faça-me o favor, mas é muito mané mesmo!
- Dona Rute, eu sei que não sou a melhor pessoa para dizer isso, mas... acho que a senhora precisa aprender a ser menos controladora! O seu filho já é adulto, tem o próprio negócio, acho que ele já provou que consegue se cuidar sozinho, não é? E se ele quebrar a cara com essa moça, bem, é a vida, a gente precisa errar de vez em quando para aprender, não é?
- Mas para que ele tem mãe? Se ele não ouve os conselhos da pessoa que mais se importa com ele no mundo, quem ele vai ouvir?
- A vida. A gente sempre quer o melhor para os nossos filhos, mas a gente não pode andar de mãos dadas com eles a vida inteira, senão eles nunca vão aprender a andar sozinhos. Eles vão cair, vão se machucar, a gente vai sofrer, mas tudo o que a gente pode fazer é estar lá para ajudá-los a se levantar e dizer para eles tentarem de novo. Foi isso que os nossos pais fizeram por nós, não foi?
- É, você tem razão, Ana. Não é fácil admitir, mas vou ter que aprender a deixar meu filho fazer suas próprias escolhas, mesmo que eu saiba como elas vão terminar.
- Dona Rute, acho que esse é um exercício que nós duas vamos ter que praticar. Desde que o Roberto se foi, eu estou ficando quase louca tentando manter tudo sob controle, mas o fato é que eu cheguei à conclusão de que preciso soltar um pouco as rédeas ou vou acabar em uma camisa de força. Tem tanta gente boa disposta a me ajudar e eu fico nessa paranoia de querer fazer tudo sozinha. Acho que eu também preciso praticar um pouco a delegar as coisas.
- Mamãe, já terminei, posso voltar para a sala?
- Pode sim, Bia, a torta já está no seu prato!
- Ana, obrigada pelo conselho. Acho que eu não iria conseguir dormir se eu não conversasse com alguém hoje!
- Não há de que, dona Rute! A senhora vive me salvando das enrascadas! Deixe-me retribuir um pouquinho, né? E foi até bom, porque assim eu começo a me auto-policiar também.
- Uhm, essa torta está uma delícia! Deve ter muita felicidade nela!
- Como é que é, Bia?
- Ah, nada não, dona Rute, segredinho que o senhor Antônio me contou!
- Pois é, agora eles dois vivem de segredinhos por aí...
- A Bia e o seu ajudante da doceria? Mas que coisa, heim? Agora até eu fiquei curiosa!
- Semana que vem, dona Rute, semana que vem você vai saber! Pode aguardar!
- Está bem, dona Bia! Vou aguardar ansiosamente!

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