domingo, 28 de setembro de 2014

2 colheres de felicidade - V

Na segunda-feira, enquanto Bia bolava um plano para a festa surpresa junto com a professora Kelly, Ana dava as últimas instruções a Pedro antes de ir se encontrar com o advogado.

- Pode deixar, Ana, está tudo sob controle! Não precisa se preocupar! Agora vá, você tem coisas mais importantes a resolver hoje! Boa sorte!
- Obrigada, Pedro. Se precisar de alguma coisa, me ligue!
- Se precisarmos de alguma coisa, a gente se vira, Ana! Você não pode cuidar de tudo ao mesmo tempo sozinha! Confie em nós, a gente vai manter tudo funcionando direitinho enquanto você resolve seus outros problemas, ok? Pode ficar tranquila! A doceria é o nosso sustento também, não vamos deixar que nada de errado aconteça com ela!
- Realmente eu não sei o que seria de mim sem vocês todos, obrigada!

E assim Ana se dirigiu ao escritório de advocacia. A burocracia toda era a segunda pior parte de se tornar viúva. A primeira era a insegurança de não saber se estava administrando bem a loja e criando direito sua filha. Roberto fazia muita falta nessas horas em que Ana precisava de alguém com quem conversar. Doutor Fabrício acabou atendendo Ana mais de meia hora depois do horário combinado. Ana já estava em puro estado de ansiedade.

- Dona Ana, boa tarde! Me desculpe pelo atraso, meu cliente anterior tem um caso bem complicado.
- Boa tarde, doutor Fabrício! O senhor já tem alguma novidade sobre o inventário do meu marido?
- É por isso que a chamei aqui, dona Ana. Eu examinei toda a documentação que a senhora me trouxe, mas me parece que ela está incompleta. Algumas coisas não estão batendo com o que o seu marido declarou no imposto de renda do ano passado.
- Não estão? Mas eu trouxe tudo o que eu achei! Roberto era muito cuidadoso com a documentação da doceria e eu também trouxe tudo que eu tinha da documentação pessoal dele e todos os comprovantes que consegui com a gerente do banco, o que mais pode estar faltando?
- Sim, não há de errado com a documentação da doceria, isso está impecável. Mas me parece que vocês venderam um automóvel e mais algumas coisas para conseguir o dinheiro para a loja, não é? São esses documentos que eu não encontrei. E se não estiver tudo certinho, mesmo que seja uma coisa menor, o caso vai ficar parado e vai demorar mais tempo até que você e sua filha possam usufruir da herança dele.
- Bem, nós vendemos o carro para os meus sogros, talvez meu marido tenha mandado toda a documentação para eles ao invés mandar apenas a cópia...
- Se a senhora puder entrar em contato com eles e pedir para que eles tragam os documentos, poderemos dar prosseguimento com o caso mais rapidamente.
- Meus sogros moram em outro estado, eles estiveram aqui para o enterro faz um mês, não sei se eles vão ter condições de vir para cá tão cedo outra vez, talvez eu possa pedir para que eles mandem tudo pelo correio.
- Eu não recomendaria, deve-se evitar mandar documentos originais pelo correio, sempre pode haver algum extravio. Mas se não houver outro jeito, peça para que eles providenciem uma cópia autenticada para guardar com eles antes de mandarem o original e peça que mandem tudo por sedex, é mais seguro. Aqui está a lista de coisas que estão faltando no dossiê.
- E eu nem sequer sei se esses documentos estão mesmo com eles... Bem, supondo que eu consiga o que falta, quanto tempo o senhor acha que demora até que a gente consiga desbloquear os bens?
- Esse é um processo bem demorado. O seu caso é até um pouco mais simples, porque não nenhuma disputa judicial, mas alguns chegam a demorar 3, 4 anos para mais!
- Ah, meu Deus, eu não posso esperar tanto tempo assim! Todo o dinheiro da doceria está na conta do Roberto, como eu vou pagar o 13º dos funcionários? E as férias?
- Senhora Ana, me desculpe, mas essa é uma coisa que eu realmente não entendi. Se vocês dois eram sócios na empresa, por que a conta ficou somente no nome dele? Se vocês tivessem aberto uma conta conjunta solidária ao invés disso, você não teria nenhum problema para sacar o dinheiro na ausência dele!
- Sim, eu sei, mas agora não há o que fazer. Na época em que a gente precisou abrir a conta, minha filha ficou doente e eu fiquei praticamente duas semanas inteiras em casa, cuidando dela. Eu disse ao Roberto para abrir a conta sozinho, para não atrasar nosso cronograma com os fornecedores e com os credores, depois eu iria ao banco com ele e nós mudaríamos a conta para conjunta. Mas as coisas foram acontecendo como uma avalanche e eu acabei não indo resolver isso. Nunca pensei que perderia meu marido assim tão cedo, essa coisa da conta parecia tão banal na época, até porque era ele quem cuidava de tudo. Eu nunca precisei me preocupar com as contas da doceria, eu não entendo nada de administração. E agora estou me sentindo completamente perdida, não sei como vou dar essa notícia aos funcionários...
- Calma, dona Ana! Não vamos entrar em desespero ainda, está bem? O inventário vai mesmo demorar pelo menos um ano para sair, se conseguirmos a documentação que falta. Mas há outras saídas. Podemos tentar conseguir a pensão do seu marido e o seguro mais rapidamente, talvez até a tempo de pagar o 13º dos funcionários sem precisar recorrer a nenhum empréstimo.
- Pensão? Seguro? Eu nem sabia que tinha direito a isso.
- Pois é, mas o seu marido cuidou disso tudo para a senhora. Olha, aqui estão as instruções que a senhora precisa seguir para solicitar ambos. A senhora precisa ir pessoalmente nestes endereços, levando esses documentos. Já aviso que o atendimento é um pouco demorado, talvez a senhora acabe gastando de 2 a 3 horas em cada lugar. A senhora deve começar a receber um ou dois meses depois, mas assim que receber vai vir tudo o que tiver acumulado retroativo à data de falecimento. Se a senhora conseguir fazer isso ainda essa semana, deve receber tudo no final de novembro, a tempo de pagar a primeira parcela do 13º dos funcionários.
- Sim, isso resolveria boa parte dos meus problemas, só tenho medo dessa incerteza quanto ao tempo que demora.
- Infelizmente não há o que fazer quanto a isso. Mas, de qualquer forma, primeiro a gente tem que fazer a nossa parte, para depois poder correr atrás dos nossos direitos, não é? Não dá nem para reclamar da burocracia se gente nem tentar dar entrada na papelada primeiro.
- Isso é verdade. Bom, eu já tive que deixar a doceria sozinha hoje mesmo, vou aproveitar e ver se dá tempo de resolver pelo menos uma parte disso tudo. E vou ligar para os meus sogros à noite e ver se consigo ajuda com os documentos do carro. Obrigada, doutor Fabrício. O senhor tem esse poder de me deixar tensa e aliviada ao mesmo tempo, deve ser algum dom especial dos advogados.
- Hahaha! Pode contar comigo sempre, dona Ana! E obrigado pelos brigadeiros, heim? Seus doces são sempre bem-vindos!
- Prometo que faço um bolo especial para o senhor quando esse pesadelo todo terminar!
- Então vou tentar terminar com ele o mais rápido possível! Não se esqueça de me avisar se conseguir o restante dos documentos, está bem?
- Aviso sim, pode deixar. Boa tarde!

E assim Ana passou o resto da tarde em filas intermináveis, tentando descobrir como fazer para receber a pensão e o seguro de vida do marido. À noite, com os pés doendo de tanto ficar em pé, ligou para os sogros perguntando dos documentos. A sogra ficou de procurar e retornar a ligação no dia seguinte. Depois deixou Bia conversando com os avós e foi tomar um banho. Quando terminou, viu que havia uma mensagem de Pedro no celular, dizendo que tudo estava bem na doceria e que todo mundo já estava indo para casa. Ana estava exausta. Deitou-se na cama e teria dormido se Bia não entrasse no quarto perguntando o que teriam para o jantar.

- Ah, filha, mamãe está tão cansada hoje, será que podemos apenas esquentar a pizza que sobrou de ontem?
- Tinha muita gente na doceria hoje, mamãe? É por isso que você está cansada?
- Não, querida, na verdade eu não sei. Mamãe teve que sair para resolver outras coisas, coisas do papai.
- Mas se o papai morreu, o que você tem que resolver?
- Coisas de adulto, Bia. Documentos, contas, essas coisas. Mamãe teve que ir a vários lugares, ficou em pé na fila várias horas.
- Então depois que a gente comer a pizza, eu vou ler para você hoje, está bem, mamãe? Eu fico lendo até você dormir! Depois te dou beijinho de boa noite e vou para o meu quarto, que nem você faz comigo! Só, por favor, não se esquece do bolo do Miguel amanhã, tá, mamãe? Porque eu já falei para a tia Kelly da surpresa e quase todo mundo já assinou o cartão, eu não quero que todo mundo pense que eu sou mentirosa!
- Ah, puxa, Bia, não se preocupe, eu já falei com o senhor Antônio, ele vai me ajudar a fazer o bolo. E por falar nisso, quase me esqueci! Ele mandou um bilhete para você, respondendo o que você perguntou. O que é que vocês dois estão armando, heim? Cheios de segredinhos! E eu nem posso saber?
- Ainda não, mamãe, só quando estiver tudo pronto! E a Gabi também vai me ajudar, ela prometeu!
- Gabi? Até a sua amiga da escola sabe e eu não?
- Não, mamãe! É a Gabi SUA amiga! Aquela que me ajudou a fazer o cartão de aniversário quando eu fui na doceria!
- Ah, é? E sobre o que vocês duas conversaram, heim?
- Segredo, ué. Você não me engana, mamãe, eu não vou te contar!
- Está bem, filha, hoje eu estou cansada demais para discutir. Vamos comer pizza e dormir!
- Mas eu vou ler o livro da Matilda para você antes, heim?
- Está bem, Bia! Eu vou adorar!

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