terça-feira, 30 de setembro de 2014

2 colheres de felicidade - IX

Na manhã de segunda-feira, Ana ligou para o doutor Fabrício para lhe informar que já estava com os documentos que ele havia lhe solicitado. Ele lhe pediu que levasse tudo na quarta-feira, já que ele não estaria no escritório antes disso, precisava resolver algumas coisas no fórum naqueles dois dias.

- Está bem, então, fica marcado para quarta-feira à tarde. Até mais, doutor Fabrício.
- Nos vemos quarta, Ana! Prometo que vou tentar não me atrasar desta vez.
- Obrigada. Até breve!

“Bom, agora é hora de distribuir os bilhetes da Bia. Vejamos o que eu sei até agora: temos uma criança de 6 anos com uma mentalidade muito fértil, três adultos, sendo um cozinheiro, uma designer e um faz-tudo. Também tem caixas e biscoitos envolvidos nesse plano de alguma forma. Mas se a ideia deles é só criar embalagens novas para os biscoitos, por que eles fariam tanto segredo?” – Ana se perguntou. “Bom, pelo visto não adianta especular, vou mesmo ter que esperar para saber. Mas pelo menos o Pedro disse que isso deve acontecer ainda essa semana. Ainda bem, não aguento mais de tanta curiosidade!”

No fim do dia, ao buscar Beatriz na escola, Ana teve outra surpresa.

- Mamãe! Você não imagina o que aconteceu! O Miguel doou um montão de brinquedos para a escola! A tia Paula disse que vai arrumar uma sala para virar brinquedoteca, aí todo mundo vai poder brincar com os brinquedos que a escola ganhou! Ninguém mais vai precisar ficar triste porque não tem brinquedo!
- É verdade isso, Bia? Nossa, mas que mudança de atitude do Miguel, heim?
- É verdade sim, Ana! Aliás, você tem dois minutinhos? Eu queria ter uma palavrinha com você.
- Claro, professora Kelly! Bia, você pode me esperar no pátio? Mas não vá fazer muita bagunça, tá?
- Eu vou ficar brincando com a Gabi, tá? A mãe dela sempre se atrasa para vir buscá-la.
- Está bem, qualquer coisa eu estou aqui na sala com a tia Kelly.
- Bom, Ana, eu queria te agradecer pela ideia da festa, pelo bolo e tudo mais. Você e a Bia operaram um verdadeiro milagre nesta escola! O Miguel é outra pessoa agora! Até o pai dele veio aqui conversar com a gente! Justo ele, que nunca vem nem nas reuniões!
- A Bia estava um pouco preocupada porque ela achou que o Miguel pensou que a festa foi feita pelos pais, aí ela estava com medo de como ele ia se sentir quando descobrisse a verdade.
- É justamente por isso que o pai dele veio aqui. O Miguel chegou em casa tão eufórico aquele dia que os pais até ficaram com vergonha por não terem feito nada de especial para o filho no aniversário dele. Olha, pela primeira vez em três anos, a gente finalmente conseguiu conversar a sério com o pai dele e explicar toda a situação. Eu não acho que as coisas vão mudar assim de uma hora para a outra, mas eu me senti absolutamente aliviada depois daquela conversa. E parece que ela teve algum efeito mesmo, como você pode ver pela quantidade de brinquedos que o Miguel e o pai doaram para a escola! Eu e a diretora Paula chegamos à conclusão de que seria melhor deixar que o Miguel continue pensando que a festa foi um presente dos pais. Eu já tinha conversado com a turma antes, então eu sei que ninguém vai contar nada. O pai se emocionou com tudo o que aconteceu e perguntou o que poderia fazer pela escola, como retribuição. A gente só pediu para que ele passe mais tempo com o filho, que dê mais atenção a ele. E quando eu cheguei na escola hoje de manhã, me deparei com caixas e mais caixas de brinquedos no corredor! O Miguel e os pais resolveram doar os brinquedos que o Miguel não usa mais para a escola. O pai disse que ele tem um armário enorme de brinquedos, mas como é filho único, em casa ele passa mais tempo jogando vídeo game do que brincando com os bonecos e com os carrinhos, então eles seriam mais úteis aqui do que na casa deles. Três anos sem responder os bilhetes na agenda e sem comparecer às reuniões e de repente o pai aparece aqui duas vezes seguidas em menos de uma semana!
- Mas isso é IN-CRÍ-VEL, como diz a Bia! Eu nunca imaginei que um simples bolo de dinossauro fosse fazer tanta diferença na vida de alguém!
- Acho que não foi só o bolo. Tem também o cartão que a Bia fez e tem toda essa novidade dos pais finalmente darem um pouco de atenção para o menino, né? Às vezes, um pedaço de bolo e 5 minutinhos de conversa fazem muita diferença na nossa vida. Então, em meu nome e de toda a escola, a gente queria te agradecer por fazer tudo isso acontecer e sem sequer levar os louros dessa vitória! A Bia realmente tem muita sorte por ter uma mãe como você!
- Acho que sou eu quem tem sorte por ter uma filha como ela.
- Acho que vocês duas merecem uma à outra! Obrigada mais uma vez, Ana!
- Não há de que, professora! Bia! Vamos para casa!
- Mamãe, eu achei muito legal o Miguel ter doado os brinquedos para escola! Antes os meninos eram amigos dele por causa dos brinquedos que ele trazia, mas agora os brinquedos são de todo mundo!
- Ah, é, dona Bia? E você vai querer doar os seus brinquedos também?
- Eu não tenho tantos brinquedos assim, né, mamãe! Mas isso me deu outra grande ideia!
- Não me diga que é mais um dos seus segredinhos!
- Não é mais um, é o mesmo, só que melhor!
- E você não vai me contar...
- Ainda não! Preciso falar com a minha gangue primeiro!
- Gangue?
- Ué, não é assim que você anda chamando a gente, mamãe?
- Hahaha! É verdade, Bia. Estou louca para descobrir qual é esse segredo afinal!
- Tem muitas crianças no mundo que não têm brinquedos?
- Acho que sim. Muitas crianças não têm nem o que comer, Bia! Tem gente no mundo que vive no meio da guerra, ou que não tem casa, ou que não tem pai nem mãe. Às vezes a gente reclama dos nossos problemas e nem se dá conta de que tem muita gente passando por coisas piores.
- Mas... como uma criança vive sem pai nem mãe? Criança nem pode trabalhar!
- Eles vivem em orfanatos. É como se você morasse em uma escola, entende? Então você estuda e vive no mesmo lugar, com outras crianças que não têm pais.
- É como ter um monte de irmãos, só que de pais diferentes? E quem cuida deles?
- Sempre tem alguns adultos para cuidar das crianças, geralmente freiras ou algo do tipo.
- E quem dá presente para eles no aniversário, no dia das crianças e no natal? Não vale falar que é Papai Noel!
- Eu não sei exatamente, mas eu acho que nem sempre eles ganham presentes, Bia. As freiras não têm dinheiro para comprar brinquedos para tantas crianças.
- Ah, puxa, seria legal se alguém pudesse doar um montão de brinquedos para eles, que nem o pai do Miguel doou para escola, né, mamãe? Deve ser muito triste não ganhar nada no seu aniversário. Mamãe, você promete que não vai morrer até eu ficar grande? Eu não quero morar em um orfanato!
- Bia, esse é o tipo de coisa que ninguém pode prometer, né? O papai não queria morrer e deixar a gente, foi um acidente. Ninguém sabe como vai ser o futuro. Mas você não precisa se preocupar, se acontecer alguma coisa com a mamãe, a vovó vai cuidar de você, você não vai precisar ir para um orfanato!
- Mas, mamãe, eu já morro de saudades do papai, eu não vou aguentar ficar sem você também!
- Bia, filha, não precisa chorar! Não adianta a gente se preocupar com coisas que a gente nem sabe se vão acontecer! Podem acontecer coisas ruins, mas também podem acontecer coisas boas! O importante é como a gente lida com elas. O Miguel, por exemplo, todo mundo achava que era ruim ficar perto dele, né? E olha agora! Ele está todo feliz e sendo legal com todo mundo e foi VOCÊ quem ajudou a fazer isso! A gente consegue transformar coisas ruins em coisas boas, filha. Dá trabalho, mas vale a pena, não acha?
- Mesmo assim, eu preferiria que você não morresse nunca, mamãe!
- Eu vou ficar com você pelo máximo de tempo que eu puder, eu prometo! Agora, faça uma cara feliz! A gente tem que ficar feliz com as coisas boas que a gente faz pelos outros! A tia Kelly pediu para falar comigo para agradecer por a gente ter ajudado com a festa do Miguel! Ela só não falou com você para ninguém desconfiar que foi a gente que inventou tudo isso, porque é segredo, né?
- Você tem razão, mamãe! A gente forma uma grande dupla! Vai ser muito legal quando a gente puder deixar você entrar para nossa gangue também!
- Ah, então quer dizer que eu vou poder participar também algum dia?
- Logo, logo, mamãe! Eu só preciso combinar com eles antes sobre a ideia que eu tive hoje, aí depois a gente te conta direitinho! Só espero que dê tempo para fazer a parte dessa nova ideia...
- Ok, chega de me deixar curiosa, vamos para casa!

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