sexta-feira, 26 de setembro de 2014

2 colheres de felicidade - II

- Dona Rute, mil perdões, sei que está tarde, espero que a Bia...
- Mamãe, mamãe! A gente fez almôndegas! Guardamos algumas para você! Venha comer! A dona Rute disse que eu levo jeito para cozinhar, talvez um dia eu seja uma doceira tão boa quanto você!
- Bia, querida, o que aconteceu com você na escola? Por que você brigou com o seu amiguinho?
- Ana, querida, vamos deixar essa conversa para depois, venha jantar conosco, a Bia me ajudou a fazer um jantar especial para você!
Ana olhou para dona Rute e captou que aquela seria uma conversa de adultos. Ficou preocupada, mas entendeu. Jantaram juntas, falaram sobre amenidades e comeram a torta de maçã que Ana havia trazido da doceria. Depois Ana convidou a vizinha para tomar um café em sua casa, assim ela poderia colocar Beatriz para dormir e depois descobrir o que havia acontecido na escola afinal.
- Mamãe, você ainda não disse que o achou do jantar!
- Estava tudo uma delícia, querida! Quem sabe eu não consiga levá-la para me ajudar na doceria algum dia nas férias, que tal?
- Isso seria IN-CRÍ-VEL, mamãe! Você jura que deixa? Posso ajudar a fazer os biscoitos?
- Sim. Mas agora é hora de dormir! Conversaremos mais sobre isso e... outras coisas amanhã, está bem?
- Mamãe, eu juro que não tive culpa! Foi o Miguel! Ele que começou a caçoar de todo mundo, eu falei para a tia Kelly e ela não fez nada!
- Bia, eu ainda não sei o que aconteceu. Amanhã irei falar com a sua professora direitinho, então quando eu voltar do trabalho nós duas teremos uma boa conversa, está bem? Agora feche os olhos e durma com os anjos! Boa noite, filha.
- Boa noite, mamãe.

Ana fechou a porta do quarto da filha e foi para a sala conversar com a vizinha.

- Ela já dormiu?
- Já. Dona Rute, eu realmente não sei como agradecê-la por...
- Ora, deixe disso! Você sabe que é como uma filha para mim! Ao contrário daquele ingrato do meu filho de sangue...
- Vocês brigaram outra vez?
- Bem, sim, mas essa história pode ficar para outro dia. Eu quero saber como você está! Tenho estado tão preocupada com você desde o acidente! Você está cada vez mais magra, nem parece que trabalha em uma doceria!
- Não tem sido fácil. Estou tendo que aprender a administrar a loja do zero. A doceria tem alguns clientes fiéis, mas mesmo assim eu não sei se estou fazendo a coisa certa. Roberto tinha um planejamento esquematizado para um ano inteiro, ele sabia criar planos de contingência quando alguma coisa saia da linha, mas eu meio que acabo fazendo tudo de improviso. Acho que estou estragando o planejamento inteiro e tenho medo de acabar perdendo a loja e ficando sem emprego. Eu sei cozinhar, é o que eu faço de melhor, mas cuidar de um negócio...
- Disso eu vou ter que discordar, amiga. Seus doces são divinos, mas eles não são o que você faz de melhor. Você é uma mãe ainda melhor do que é uma doceira!
- Será que sou, dona Rute? E essa briga da Bia na escola hoje? Eu mal tenho tido tempo para ficar com a minha filha! Chego em casa tão cansada que muitas vezes nem consigo ler para ela antes que ela durma.
- Bom, eu tenho uma novidade para você então. A Bia já sabe ler!
- O que? Como assim? Na última reunião, a professora disse que...
- Que a turma está sendo alfabetizada agora, certo? Mas a Bia já sabe ler e acho que o faz já há muito tempo! Quando estávamos fazendo as almôndegas hoje, ela meio que leu a receita em voz alta, sem querer. Eu a elogiei por ser tão esperta e ela ficou branca e me fez jurar que eu não contaria nada a você. Claro que eu jurei com os dedos cruzados, né? Mas perguntei a ela o motivo de não poder contar a você, já que você ficaria orgulhosa dela, então ela me disse que achava que se você soubesse disso, nunca mais leria com ela. Eu sugeri então que ela fizesse uma surpresa para você e algum dia dissesse que ela é quem leria para você antes de você dormir. Fiz bem?
- Isso seria... IN-CRÍ-VEL, como diria a Bia. Puxa, minha filhinha está crescendo mais rápido do que eu imaginava!
- Sim. E sobre a briga na escola... a professora disse que, no intervalo, um menino valentão começou a caçoar de um aluno novo e a turma toda começou a rir. A Bia ficou revoltada com isso e se levantou para defender o novo colega antes que a professora pudesse interferir. O valentão não gostou de ser humilhado por uma garotinha e a empurrou no chão. Não sei o que foi que a Bia disse para ele, mas parece que a turma parou de rir do menino novo e começou a caçoar do valentão.
- Miguel. Esse é o nome do valentão. A Bia já teve outros desentendimentos com ele. A professora disse que ele vem de uma família problemática e tem mesmo um temperamento difícil. Mas ele nunca havia partido para agressão física antes. É, parece mesmo que eu vou ter que ir à escola resolver isso. Não quero deixar a Bia de castigo por defender um amigo, mas também não posso deixar isso passar em branco. Ela não pode ficar provocando colegas mais fortes desse jeito!
- Ana, não é culpa dela! Ela só fez o que achou certo. Ela nem tentou revidar, só disse para o tal de Miguel que era por isso que ele não tinha amigos. No mínimo ela o fez pensar sobre o assunto, não acha?
- É uma turma de crianças de 6 anos! Por mais espertos que eles pareçam, ainda são crianças! Se não houver um adulto que os ensinem a diferenciar o certo do errado, eles vão aprender tudo errado. Está bem, não vou deixá-la de castigo, mas da conversa à noite ela não escapa!
- Está bem... mas não esqueça de verificar na escola quais as providências que eles estão tomando sobre o caso, afinal, sua filha foi agredida e isso é injustificável em qualquer situação!
- Só espero que o ano acabe logo, assim vou colocar a Beatriz em uma escola diferente ano que vem e quem sabe nos livramos do valentão.
- Desculpe, Ana, mas como ex-professora eu lhe digo que isso não vai adiantar. Existem garotos como esse Miguel em todos os lugares. O que você precisa é ensinar a Bia a se defender eles. Não estou dizendo que ela deve bater neles, não, violência de jeito nenhum, mas apenas se defender, física e mentalmente, de qualquer tipo de bullying e injustiça. Ela já tem esse senso de justiça muito forte dentro dela, só precisa aprender a controlá-lo melhor. Sua filha é uma garotinha IN-CRÍ-VEL!
- Sim, ela é. Obrigada por tudo mais uma vez, dona Rute. Não sei o que seria de mim sem você!
- O prazer é meu! Agora vou deixá-la descansar, essas olheiras não combinam com seus olhos verdes, querida! Tente não ficar acordada até tão tarde, está bem?
- Eu ainda preciso lavar a roupa e...
- Deixe isso para o fim de semana! Eu lhe ajudo, se quiser! Mas agora já para a cama!
- Obrigada mais uma vez...
- Se eu ganhasse 1 real por cada vez que você me agradece, eu já estaria milionária! Já lhe disse que faço isso com prazer. Boa noite, Ana!
- Boa noite, dona Rute!

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