sexta-feira, 7 de novembro de 2014

As cartas do fim do mundo - VI

Lugar perdido no fim do mundo, primeiro dia da primavera.

Aqui neste lugar esquecido pelo tempo, eu aprendi algumas das lições mais importantes da minha vida. A primeira é de que às vezes o silêncio fala mais que qualquer palavra. A segunda é que tem certas coisas que ninguém no mundo pode decidir por nós.

Sim, eu poderia ter lhe dado um milhão de conselhos, mas a pergunta é: você iria ouvir? Aos olhos do mundo você é o cara que tinha tudo e eu era o louco que tinha abandonado esse tudo. Nem um milhão de palavras seriam suficientes para convencê-lo de que existem outras possibilidades. Felizmente, há muitas maneiras de se dizer algo a alguém sem precisar das palavras. Eu descobri isso nas minhas andanças pelo mundo. Cada país tem sua língua, mas o sorriso é universal.

Quando eu cheguei aqui, nas minhas primeiras semanas, eu fiquei completamente abismado com a educação que eles dão aos filhos. Ela é totalmente diferente de tudo que eu já tinha visto antes! Aqui, quando uma criança faz algo errado, ela não é “castigada”. Ao contrário, ela recebe um presente! É claro que eu não entendi nada e achava tudo isso um absurdo, mas depois de algum tempo eu finalmente compreendi a lógica deles. Para eles, nós não somos como os animais, então não devemos ser educados através de punição, como fazem os adestradores de bichos. Nós somos seres inteligentes, logo, devemos usar essa inteligência para aprender. O ser humano é curioso por natureza e tudo que parece fora do lugar desperta estranheza. Quando um pai dá a um filho um objeto como “corretivo” para sua atitude, o que ele espera é que o filho descubra por si mesmo o porquê daquele “presente”. Imagine que você deu uma festa daquelas na sua casa e que seus convidados bêbados acabaram derrubando várias latinhas de cerveja na casa do seu vizinho. É claro que se seu vizinho viesse gritar com você, chamando-o de coisas de baixo escalão, vocês iriam acabar numa briga daquelas, certo? Mas o que você faria se ao invés disso ele simplesmente colocasse todas as latinhas em um saco e o jogasse de volta no seu quintal? Você iria reclamar? Ou morreria de vergonha e iria pensar duas vezes antes de deixar que os convidados da sua próxima festa voltassem a dar esse vexame? É mais ou menos isso que as pessoas daqui fazem. Elas não impõem castigos, elas deixam com que a própria consciência das crianças se encarregue de mostrar o caminho do certo e do errado. É um foco totalmente diferente.

Com tudo isso, acho que agora você pode perceber que mesmo sem dizer uma só palavra, eu lhe contei mais sobre o lugar onde eu moro e o que eu aprendi nestes últimos dez anos do que você poderia imaginar, não é? Mas você está certo em pelo menos uma coisa: sim, todos os presentes tinham um propósito. Não sei se serviram para o que eu tinha em mente, mas eu sei que no geral eles alcançaram seu objetivo, visto que agora você consegue ver a vida por outro ângulo.

Quando você me enviou aquela primeira carta, a primeira coisa que eu pensei foi: mas por que ele está olhando tanto para o todo se no fundo são os detalhes que fazem toda a diferença? Minha impressão era a de que você estava virando megalomaníaco! Tudo na sua carta era o maior, o melhor, o mais bonito... Como se você estivesse mais preocupado em ter do que em ser! Então lhe mandei a lupa para você poder ver as coisas mais de perto; a semente, para você entender que as coisas mais bonitas não podem ser compradas; a pipa para você se libertar da prisão das paredes; os bloquinhos de plástico para você usar a imaginação; e o porta-retratos para você guardar o que realmente importa: os bons momentos que nenhum dinheiro, status ou fama pode comprar.

E o que eu lhe recomendo de agora em diante? Não preciso lhe dar mais conselho algum. Você já conhece o caminho, só cabe a você decidir agora como percorrê-lo. Como dizem os nativos aqui: Boa vida!

Abraços!
Pedro

Nenhum comentário:

Postar um comentário